Uma Portaria pode se sobrepor a uma Medida Provisória?

A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, vinculada ao Ministério da Economia, publicou em 24/04/2020, a Portaria nº. 10.486, dispondo regras para processamento do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, instituído pela Medida Provisória nº. 936 de 01/04/2020.

A MP 936/20 deixou claro que os aposentados não podem receber o BEm (Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda).

Contudo, a MP 936/20 não proíbe a celebração de acordo individual para redução proporcional de jornada e salário ou para suspensão do contrato de trabalho com empregados aposentados, mas a Portaria nº. 10.486/20 prevê expressamente esta proibição, o que tem gerado críticas ao texto nesse ponto.

Assim, ao dispor acerca da concessão do BEm, além de replicar as regras dispostas na MP 936/2020, a Portaria proibiu a celebração de acordos individuais com empregados não elegíveis ao mesmo, como é o caso dos aposentados.

Nesse diapasão, a polêmica gira em torno do fato de ser uma Portaria e, como tal, não poder criar direitos ou obrigações novas, não estabelecidos no texto base, ou seja, de forma sucinta, a Portaria não pode falar mais que a Medida Provisória, ela deve apenas clarear os critérios e procedimentos abordados na mesma.

Dessa forma, a Portaria 10.486/20 deveria apenas disciplinar o processamento e pagamento do BEm. Não cabe, através da mesma, alterar as disposições sobre redução e suspensão tratadas na MP 936/20.

Destarte, indubitável que uma Portaria não pode excluir ou criar direito não previsto em lei que, no caso da presente análise, consiste na MP 936/2020, a qual, como toda Medida Provisória, tem força de lei, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal – CRFB/88.

É compreensível que seja vedado o pagamento do BEm aos aposentados, uma vez que estes já possuem uma renda mínima fixa garantida.

Todavia, cumpre ressaltar que o art. 2º da MP 936 dispõe que entre os objetivos do Programa estão a preservação do EMPREGO e da RENDA.

Nesse sentido, cabem, entre outras, as seguintes reflexões: Proibir que os aposentados celebrem os acordos não pode levar a demissão dos mesmos? Os aposentados, ainda que não recebam o BEm, não podem se beneficiar das medidas para preservar seus empregos? Considerando que é possível o empregador pagar uma ajuda compensatória mensal, ainda que os aposentados não recebam o BEm, nessa hipótese não se estaria preservando o emprego e a renda?

Vivemos em um país com notória desigualdade social e sabemos que boa parte, talvez a maioria, das pessoas que se aposentam continuam a trabalhar por necessidade. Então, por que não permitir a mesma oportunidade de preservação do emprego aos aposentados?

Isto posto, com a máxima vênia aos posicionamentos contrários, entendo que não há dúvidas quanto a não ser devido o pagamento do BEm aos aposentados, mas a Portaria 10.486/20, sem entrar no mérito subjetivo quanto a ser justo ou não, extrapolou, de forma objetiva, os limites legais ao proibir a celebração de acordo individual com os mesmos.

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