As relações de trabalho mudaram sensivelmente. Do período de pandemia, com início em meados de 2020, até os dias atuais, engana-se quem pensa que a mudança mais significativa tenha ocorrido com as inúmeras Medidas Provisórias ou com a formalização das novas formas de trabalho remoto, muito embora ambas tenham sido muito importantes.
Ao contrário, o que trouxe mudanças consideráveis na relação entre empregado e empregador com os resultados mais preocupantes para as empresas de todos os portes e mercados foi, sem dúvida, o aumento de patologias psíquicas, geralmente relacionadas com o trabalho enquanto causa direta ou como agravante, e os excessos causados em decorrência da busca incessante por maior produtividade e atingimento ou superação de metas, aliado ao necessário acompanhamento e fiscalização do trabalho remoto.
Não se pode admitir que em toda e qualquer relação de emprego haja uma predisposição proposital aos excessos praticados. Há, de modo geral, conhecimento por parte de gestores e líderes quanto aos limites razoáveis de cobranças e de tratamento, e daquilo que pode ou não ser exigido do trabalhador com lastro no contrato de emprego firmado.
Mas, em muitas ocasiões, percebe-se que esses limites deixam de ser observados quando quem exige não entende que a comunicação não violenta e a escolha da forma e do momento corretos para cobranças, correções, imposições de condutas e regras deva estar igualmente pautada por uma regra basilar: não exigir do outro com a intensidade ou da forma que não gostaria de ser exigido, ou que evidencie excesso.
Por qual motivo retomamos aqui, nessas linhas, essa regra tão basilar? É que na nova relação de emprego, essa que se delineia com a agressiva competitividade e necessidade de resultados, e esse cuidado se torna essencial para prevenir processos e passivos de difícil administração, atraindo o cuidado que se pretende demonstrar ao empresário.
Antes mesmo do contrato de emprego e da assunção de deveres e obrigações, há regras de convivência e comunicação basilares, como respeito mútuo, atendimento ao objeto do contrato, cordialidade, acolhimento, que devem ser observadas em sua integralidade no âmbito da relação de emprego. E, como aqui falamos de pessoas, na atualidade, passamos a considerar patologias em níveis crescentes, comprovadamente decorrentes do trabalho, como a síndrome de Burnout ou do Esgotamento Profissional, depressão e o transtorno de pânico, todas com CID´s próprios e que ensejam pedidos de danos morais quando relacionadas à atividade laboral, permitindo-se que níveis sejam identificados por peritos e transformados em montantes indenizatórios.
Há, especialmente na relação de emprego, um vínculo de confiança que se rompido impede a manutenção da própria relação, tamanha a sua importância. Entrementes a ele, há a boa-fé dos contratantes que exsurge mais viva e necessária do que em qualquer relação contratual que se pretenda imaginar.
Na última semana, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas) reconheceu o direito à indenização por danos morais, decorrentes de doença ocupacional, a um trabalhador que teve como concausa, ou causa que se junta a outra preexistente, as atividades profissionais desempenhadas, as quais, por sua vez, agravaram as patologias preexistentes, no caso depressão e Síndrome de Burnout.
O trabalhador alegou que a Síndrome de esgotamento teve por consequência atos praticados diretamente por seus superiores, no ambiente de trabalho. Para a prova judicial da doença ocupacional foi realizada perícia médica, que constatou depressão grave, Síndrome do pânico e Burnout, todas agravadas pelo ambiente de trabalho (concausa) que é de responsabilidade inequívoca do empregador.
Para a verificação do assédio moral ensejador da reparação do dano, foram ouvidas testemunhas, que confirmaram que o trabalhador era constantemente chamado e “vagabundo”, “salafrário” e “171” dentre outros xingamentos. Tudo isso na presença de testemunhas, expondo-o.
Além desses fatos comprovados por testemunhas, havia um precedente importante, de notificação da empresa pelo Sindicato da categoria em relação ao tratamento dispensado ao trabalhador pelo seu superior. Aqui, outro ponto de atenção ao empresário. Situações que deflagram o ambiente de trabalho hostil e desrespeitoso, ensejam a atuação cada vez mais forte de Sindicatos e do Ministério Público do Trabalho, seja em decorrência de denúncias ou mesmo motivas por ofícios.
Todas essas provas, produzidas judicialmente, justificaram a manutenção da condenação. As alegações da empresa, de desconhecimento dos fatos e ausência de relação das doenças com o trabalho, foram afastadas com a robustez dos depoimentos prestados aliados à prova pericial.
O que nos motiva a discorrer sobre esse tema é que essa situação estampada nesse processo, de tratamento vexatório, pode ocorrer em qualquer empresa, de qualquer porte. E, efetivamente, vem sendo detectada com frequência e levada cada vez mais à justiça do Trabalho e aos órgãos de fiscalização. Sua empresa está preparada para lidar com essa realidade?
O que a experiência com a advocacia eminentemente empresarial nos leva a concluir é que os relacionamentos pós pandemia trouxeram inúmeros distúrbios de comportamento. É importante que empresários e gestores estejam atentos não apenas em identificar essas situações em seus times como também a orientá-los com frequência. Investimentos em treinamentos, políticas internas, canal de denúncia e em tantas outras ferramentas de compliance trabalhista, são apenas algumas sugestões que podem trazer inúmeros benefícios inclusive a curto prazo para as empresas.
Bons líderes sabem como lidar com pessoas, o que significa dizer que sabem como tratá-las, corrigi-las, se dirigir a elas em um feedback ou mesmo cobrá-las por mensagem sem hostilizá-las, humilhá-las ou submetê-las a tratamento vexatório. Em última análise, são cuidados essenciais que diminuem as taxas de turnover, previnem passivos trabalhistas para empresas, representados por autuações e por ações de indenização, perícias médicas e prejuízos físicos e mentais entre outros, decorrentes de ambientes incompatíveis com a construção de modelos laborais colaborativos, integrativos e que permitam o desenvolvimento profissional de maneira ampla e positiva e o crescimento sustentável de empresas de todos os portes, sem o fantasma do passivo trabalhista oriundo de doenças.